Aprender em movimento



Engana-se quem pensa que professores universitários e professoras universitárias se movem exclusivamente por aquilo que já sabem. Nossos movimentos mais produtivos derivam de nossas ignorâncias e dos nossos erros coletivos, sobretudo quando conseguimos transpor as barreiras que nos separam entre nossas salas de aulas, laboratórios e “unidades” de ensino-pesquisa-extensão.

Sair do quadrado para confrontar os erros e as ignorâncias inscritos no nosso corpo coletivo na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) foi o que fizemos entre os meses de maio, junho e julho de 2020, quando organizamos o nosso primeiro fórum docente.

Nossa universidade foi criada no ano de 2013, somos a última universidade do ciclo dos governos Lula/Dilma (quando a democracia brasileira produzia sinais de vitalidade). As atividades de ensino-pesquisa-extensão tiveram início no ano de 2014, quando chegavam os primeiros e as primeiras estudantes, assim como as docentes e os docentes que por meio de concurso público, ou redistribuição de outras universidades brasileiras, criavam componentes curriculares, elaboravam coletivamente Propostas Pedagógicas dos Cursos (PPCs) em processo de implementação e outros dispositivos fundantes da vida institucional da universidade.

No ano de 2015 começamos a debater a criação de um sindicato ou associação que constituísse, também, nossa identidade coletiva. Àquele ano decidimos por maioria presente que não era o momento de termos um sindicato, optamos na nossa primeira assembleia por uma associação docente. Voltamos para nossa jornada diária de aulas, reuniões de colegiados, encargos administrativos e elaboração dos documentos vitais da nova universidade. Resultado: a associação não foi criada.

No ano de 2016 entramos em greve em solidariedade aos estudantes e às estudantes que ocupavam a nossa universidade em contestação ao golpe contra a democracia, a Medida Provisória da Reforma do Ensino Médio e a então Proposta de Emenda Constitucional (241). Saímos da greve, e logo depois, decidimos por maioria presente em nova assembleia, pela criação de uma Seção Sindical do ANDES, uma decisão polêmica, uma vez que àquele momento nos dividíamos entre ANDES, PROIFES e uma Associação não atrelada a sindicatos ou federações nacionais. Acatamos a decisão da maioria, a Seção Sindical do Andes foi criada no papel e ficou esvaziada durante todo esse tempo.

Um dos principais motivos para a Seção Sindical “ficar no papel” foi a nossa participação nas escolhas de novos dirigentes dos Institutos e Centros de Formação e a divisão interna na consulta pública para reitoras da nossa universidade no ano de 2017. Formávamos um corpo coletivo cindido em duas grandes frentes lideradas por duas mulheres negras, uma delas autodenominada “Pé no Chão” em referência ao ideário pedagógico de Paulo Freire, a outra autodenominada “Bem Viver”, em homenagem ao pensamento ancestral dos povos Andinos. Apesar do parentesco filosófico das nossas bandeiras e da negritude feminina que nos representava na disputa, fomos duros uns com os outros no “campo de batalha”. Saímos mais divididos, feridos, cansados e profundamente depressivos no trato com nossos pertencimentos institucionais. A luta sindical foi sendo adiada em nome de outros compromissos institucionais, do cansaço existencial e da nossa saúde espiritual (esta última, fundamental para a manutenção da qualidade do nosso trabalho educacional).

Entre o fim do governo golpista liderado por Michel Temer e a ascensão do governo fascista liderado por Jair Bolsonaro, fomos expostos a outros terríveis ataques. Apesar do “emparedamento ideológico-político-orçamentário” em que nos encontramos seguimos trabalhando. Cumprimos nossos compromissos com a sociedade diligentemente. Já temos mais de uma geração de graduados, mestres e especialistas formados em nossos cursos. Temos uma produção qualificada de conhecimento, redes de cooperações e ações territorializadas na Região Sul do Estado da Bahia. Estamos dentro das escolas da Rede Pública Estadual de Educação com os nossos Colégios Universitários, praticando o pensamento de Anísio Teixeira, Paulo Freire, Boaventura de Sousa Santos e Milton Santos. No entanto, como docentes, permanecíamos sem uma organização que representasse nossa dignidade laboral.

Recentemente, no mês de março de 2020, enquanto nossas atividades presenciais eram suspensas por conta da pandemia do novo coronavírus, fomos surpreendidas e surpreendidos com uma proposta de resolução da Pró Reitoria de Gestão Acadêmica (PROGEAC) da UFSB que desmancha a configuração curricular da Formação Geral (FG) - curso que representa o primeiro ano de formação das estudantes e dos estudantes que ingressam na nossa universidade. A PROGEAC impõe uma nova configuração, reduzindo de um ano para um quadrimestre a FG. Além de mudar o curso da história do currículo dos cursos de primeiro ciclo da nossa universidade, a equipe gestora da Administração Central induz a geração de novos encargos com alto impacto no trabalho docente, assim como anula a política de concursos públicos realizada para a contratação de professores para a Formação Geral. Tal situação agravou o peso das cargas sobre nossos ombros.

Reunidos entre professoras e professores com inícios distintos de vida profissional na UFSB escolhemos o caminho da rebeldia criativa. Entendemos que precisávamos aprender juntos e em movimento formas de lidar com a situação a que somos submetidos. Formulamos questões que nos ajudam a pensar coletivamente sobre a nossa condição docente. Entre as principais perguntas, destacam-se: Como queremos organizar nossas lutas? Qual a forma de agir comum que mobiliza nossas lutas a favor da democracia? Como fortalecer a universidade pública enquanto instância estatal capaz de enfrentar o desmanche das políticas educacionais promovido por governos comprometidos com agendas do mercado financeiro? Como construir um corpo coletivo capaz de enfrentar os ataques à democratização da universidade pública? Por meio de tais questões exercitamos as críticas e autocríticas que nos inspiram transformar nossas divergências em ferramentas de amadurecimento institucional, e nossas convergências em exemplos memoráveis das superações dos nossos erros a favor de avanços coletivos.

Nos meses de junho e julho tivemos encontros com colegas de outros sindicatos, federações e associações docentes. Participamos da marcha pela vida no dia 09 de junho sob a condução da sabedoria de mestres como o Cacique Babau (do Povo Tupinambá), Joelson Ferreira (do Assentamento Terra A Vista), Andréia Beatriz dos Santos (Médica do Movimento Reaja ou será Morta, ou será Morto), do nosso querido colega Dirceu Benincá, do Campus Paulo Freire (em Teixeira de Freitas) que trabalha com educação popular e agroecologia e de Tássio Ferreira, Taata Dya Nkisi, dileto colega do Campus Jorge Amado implicado com as artes negrorreferenciadas (em Itabuna). A cada encontro saímos maiores e mais fortalecidos como corpo coletivo. Quando chegamos ao período do dia 07 ao dia 09 de julho, nos aprofundamos na articulação temática entre saúde, educação, trabalho e democracia. Na tarde do dia 09 realizamos aquela que se tornou a nossa maior e mais emocionante conquista dos últimos anos, a plenária do Fórum Docente da UFSB.

Elegemos uma pauta comum, escolhemos ocupar a Seção Sindical do Andes criada em 2016 e enchê-la de vida. Escolhemos ainda uma comissão intercampi para dar prosseguimento aos nossos encaminhamentos.

Ainda co-movido pela beleza extraordinária do nosso Fórum creio que seguimos agora rumo a novas aprendizagens, sempre a favor da democracia, do Pé no Chão, do Bem Viver e de todas as forças que ampliam os sentidos das nossas coexistências na vida da instituição a que pertencemos.

               

 


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