O Ponto Cego da Educação

                                                                                                                                    

O retorno remoto às aulas produzirá efeitos catastróficos no amplo atendimento do Direito à Educação de toda a população em processo de escolarização no Brasil. O ponto cego da situação remete à amplitude das catástrofes.

Levamos quase um século para conseguirmos alcançar a universalidade do Ensino Fundamental na idade juridicamente recomendada pela legislação brasileira. No final dos anos 1990 chegamos à meta de maneira contraditória. Isto porque, a matrícula foi universalizada mas a permanência na escola continua sendo um problema para adolescentes e jovens do campo, das periferias urbanas e, sobretudo, negros e negras, pobres e portadores de deficiências física. A totalidade das jovens e dos jovens que entra na escola pública não consegue concluir por conta da evasão e da repetência provocada pelas condições precárias de existência a que muitos e muitas são submetidos. Na Educação Infantil, no Ensino Médio, na Educação de Jovens e Adultos e no Ensino Superior a universalização do acesso segue sendo uma meta fora do alcance. A desigualdade social persiste como força de exclusão educacional.

O que acontece no momento é que, com as escolas esvaziadas, por força da pandemia, as tentativas de retomada das atividades de ensino por meio remoto, nas mais variadas modalidades e nos mais variados níveis de ensino, certamente vão agravar uma forma de exclusão que já ocorria, mas que, no geral, ignorávamos: a exclusão digital. Ainda não sabemos como, quando e com que meios vamos recompor qualificadamente os processos de ensino-aprendizagem que ocorriam num contexto absolutamente diverso do atual.

A complexidade do nosso sistema piora a situação. Como se não bastasse a ambiguidade no compartilhamento da oferta entre redes públicas e privadas, no âmbito público as responsabilidades sobre os níveis e modalidades de ensino são rigidamente fragmentadas entre municípios, estados e a União. Pesa ainda o fato de que as redes foram estruturadas pela centralidade da escola e da educação presencial (offline digamos assim) para o alcance das metas que nos trouxeram às rotinas pedagógicas vigentes às vésperas da pandemia. A radicalização da mudança introduzida pelo isolamento social compulsório, ao que me parece, agrava as incertezas quanto aos déficits educacionais que já estão em curso.

Duas tendências tem se confirmado nas pesquisas divulgadas até o momento: o medo dos pais e das mães de que seus filhos e filhas desistam das escolas, o absenteísmo de muitos estudantes e muitas estudantes nas enquetes realizadas por redes públicas e privadas de estabelecimentos de ensino. Os números da evasão e, consequentemente, a elevação das distorções idade-série-ano combinada com grandes rupturas nos fluxos de escolarização são imprevisíveis. Isso é terrivelmente preocupante, sobretudo pela ausência de políticas educacionais claras no Brasil do presente.

Não acredito que o retorno remoto às aulas traga grandes soluções para a crise educacional brasileira aprofundada pela pandemia. Temo pelo agravamento dos problemas. Sobretudo porque o retorno se impõe sem que haja garantia acesso universal aos meios tecnológicos necessários a todas e todos que no momento estão com as aulas suspensas, por força do regime de isolamento social que ampliou a potência das desigualdades e segregações sociais brasileiras. A imposição do retorno, ao que me parece, força a transferência do fracasso do Sistema àquelas e àqueles que sempre foram condenados às injustas formas de exclusão social que marcam vergonhosamente a formação histórica da educação no nosso país.

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