O rascunho e a rasura

 

As políticas educacionais no presente são objetos de disputa da direita. Duas performances diferenciam os seguidores do Olavismo-Bolsonarista e os mercantilistas da linhagem Maia-Dória: o rascunho e a rasura.

Os moralistas que ocupam o Ministério da Educação não conseguem apresentar um programa de governança, insistem na pauta dos costumes e se notabilizam pela incorreção de propósitos marcada por sérios transtornos verbais e ortográficos. O ex-ministro de sobrenome impronunciável e comportamento público inaceitável se tornou um ícone deste modelo de gestão. Fazia uso de rascunhos para despachar no twitter e no seu gabinete. O único programa de sua gestão com mais de um parágrafo escrito, o Future-se, passou por várias revisões desde a primeira versão, não saiu do rascunho (nem do papel).

Os mercantilistas da linhagem Maia-Dória, portadores de uma tradição que ganha força com a ancestralidade privatista originada em Collor e notabilizada por Fernando Henrique Cardoso (FHC), operam pela rasura. O auge de suas performances se revelou no golpe contra a democracia. Organizados sob o manto do PSDB-DEM, expandiam usos e abusos na apropriação e alteração substantiva de programas que estavam há anos em discussão com a sociedade, como a Reforma do Ensino Médio e a BNCC. Quando foi anunciada a primeira versão da Medida Provisória da Reforma do Ensino Médio, por exemplo, os golpistas propunham a retirada da Educação Física; o apresentador de programas dominicais Faustão reclamou; os assessores do ministro Mendonça Filho rasuraram a proposta original; o então presidente Michel Temer ligou para Fausto Silva se desculpando; a globo noticiou tudo em primeira mão; e a rasura entrou para a história recente da conversão de processos democráticos em processos autocráticos apoiados pela mídia hegemônica nas políticas da educação.

Em linhas gerais o que distingue uns e outros da direita mais expressiva do momento brasileiro é o fato de que os moralistas apresentam uma visão monocultural-conservadora pautada por um discurso totalitário de controle dos costumes. Os mercantilistas, por sua vez, preconizam uma visão multicultural-conservadora pautada pela conversão da diversidade em commodities educacionais.

De um lado a homogeinização de corpos, almas e povos traduzida na triste frase da inconfidência da intolerância: “eu odeio o termo povos indígenas”- enunciada pelo ex ministro Weintraub em reunião ministerial tornada pública por força judicial. Do outro lado, o uso da desigualdade e das diferenças como marketing dos negócios educacionais tocados pelo DEM e pelo PSDB, as propagandas da Reforma do Ensino Médio e da BNCC usam e abusam de jogos identitários para propagação do proselitismo pedagógico de cunho mercantil.  

O que produz a complementaridade entre uns e outros nas suas diferenças é o compromisso intransigente com a manutenção das formas de exploração econômica e manutenção das desigualdades sociais. O traço de conservadorismo sustenta o braço forte do mercado na condução de suas disputas pelo poder.

Para uns, o ódio a Paulo Freire convém como disfarce de suas incompetências para a formulação de respostas consistentes para os desafios educacionais agravados agora, em plena pandemia da COVID-19. Para outros o marketing do ideário de Paulo Freire para disfarçar o comércio da educação por meio de fundações privadas que influenciam (e patrocinam) a direita ‘esclarecida’ no Congresso.

Tanto em um caso quanto em outro o conservadorismo expressa a medida do controle dos “limites transformadores da educação”. Moralistas e mercantilistas disputam a atenção do povo brasileiro para um mesmo fim: conformar a sociedade ao modelo econômico vigente. No rascunho e na rasura, eles e elas se confundem e se misturam nos “negócios” da educação.  

 


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