Para um governo nulo, meia escola basta.

 


A publicação da Medida Provisória 934 (que flexibiliza o ano letivo de 2020) é um atestado público da nulidade do atual governo no trato com as políticas educacionais.

A MPV isenta os sistemas públicos e privados de educação do cumprimento dos dias letivos do ano vigente, mantém a obrigatoriedade da carga horária anual com a possibilidade de expansão para 2021 e retira a obrigatoriedade do investimento financeiro por parte da União para a garantia das condições de funcionamento dobrado dos fluxos de escolarização.

Os vetos presidenciais que acompanham a publicação transferem para as comunidades escolares a solução de uma das mais estranhas equações do momento: dois anos letivos para meia escola e um governo nulo.

A nova norma permite que os sistemas educacionais atendam em regime de duplicidade de vínculo às estudantes e aos estudantes das diferentes etapas e modalidades de ensino, da Educação Infantil ao Ensino Superior no ano que vem. As diretrizes para que isso ocorra ainda serão publicadas pelo Conselho Nacional de Educação, no entanto, uma simulação rápida do efeito imediato da MPV sugere que o estudante do primeiro ano do ensino médio desse ano poderá concluir a carga horária dos seus estudos no ano que vem, com garantia de matrícula, frequência e cumprimento simultâneo da carga horária da série extra em que pode estar matriculado. Um “combo” antipedagógico.

Considerando que o fluxo de escolarização implica no compartilhamento da responsabilidades públicas entre estados e municípios, a situação se complica. Estudantes do nono ano do Ensino Fundamental terão um pé na escola municipal e o outro no primeiro ano do Ensino Médio de uma escola estadual.

Como o governo federal retirou o compromisso do financiamento com as condições de excepcionalidades criadas, suspeito que não haverá contratações de professores para dar conta das novas tarefas, gestores e coordenadores pedagógicos terão que encontrar soluções para a organização de calendários “dobrados” no meio das precariedades tecnológicas e infra estruturais de sempre e, o que parece ser pior, as eleições municipais previstas para esse ano, anunciam para o ano de 2021 uma geração de novos gestores e gestoras locais que mal conhecem o atual sistema e que, terão que se desdobrar para dar conta do atual desafio imposto pela Medida Provisória rasurada.

Estudantes terão dois anos letivos em um ano só. Gestores e gestoras, coordenadores e coordenadoras, educadores e educadoras não terão recursos extras para dar conta da sobrecarga anunciada. Escolas serão divididas ao meio para assegurarem o alcance com qualidade dos “direitos e objetivos de aprendizagem” garantidos por lei. É o que temos para a educação brasileira ano que vem.

Caso as candidatas e os candidatos às eleições para prefeituras e parlamento municipais tenham condições de inteligibilidade e de reação às maldições anunciadas pelos vetos presidenciais à MPV, é possível acreditar num movimento de baixo para cima com poder de derrubada dos vetos e, quem sabe, mudar as regras do investimento público na busca da garantia de uma escola inclusiva e cidadã para cuidar da geração que hoje enfrenta duramente a pandemia da COVID-19.

Não restam dúvidas de que as escolas municipais serão, de longe, as mais penalizadas com a decisão formalizada pelo atual governo federal. Considerando a já reconhecida incapacidade bolsonarista em resolver problemas básicos do país, e a “cumplicidade crítica” das alas conservadoras do congresso com as omissões, ausências e nulidades do executivo, resta-nos contemplar a caricatura de democracia em que estamos à contraluz da combalida esperança por dias melhores.  


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