Primeiro a vida das pessoas, depois a vida das instituições.
No último dia 04 de agosto o apelo do Secretário Geral da ONU, António
Guterres, para a reabertura das escolas “onde a pandemia estiver controlada”, causou-me inquietações. De súbito me veio a pergunta: em que lugar do mundo a
pandemia está controlada?
Antes de chegar à resposta, outras perguntas: a preocupação do
Secretário enfatiza a vida das instituições, ou a vida das pessoas? Pode a
escola assegurar de modo indissociável o direito à educação e o direito à vida
no presente? E o que dizer da divisão social das escolas no mundo, onde o
direito à vida é mais um problema dos pobres do que dos ricos?
Enquanto busco respostas, em meio a enxurrada de questões que me coloco
como educador, permito-me divergir quanto ao efeito catastrófico anunciado pela
ONU. Duvido muito que, em algum lugar do mundo, haja condições de retorno às
aulas por meio presencial sem o risco de expansão da pandemia. Suspeito que nem
mesmo as instituições educacionais que primam pelo investimento privado nas
melhores condições de funcionamento tenham como evitar o risco de novos contágios.
Suspeito ainda que cada centavo investido em medidas sanitárias será cobrado
das cidadãs e dos cidadãos que puderem usufruir dos benefícios proporcionados
pelas escolas ricas, das pessoas ricas do mundo.
No que diz respeito às escolas das pessoas pobres do mundo, tais
instituições padecem há anos de precariedades produzidas pelo descaso dos
governos ou por desvio dos recursos públicos que lhes são destinados. Tem mais:
para chegar às essas escolas crianças e jovens pobres enfrentam inúmeras adversidades
sanitárias no caminho. Para quem é pobre, chegar à escola é uma luta,
permanecer nela, outra luta, voltar para casa com vida, mais uma luta.
Outra coisa, muito antes da pandemia uma terrível catástrofe assola o mundo
ocidentalizado: o uso da escolas e da escolarização como marcadores da divisão
social das pessoas e dos povos do planeta. Alguns dos preconceitos mais graves
do mundo moderno derivam das estatísticas que dividem as pessoas, povos e
países entre os que possuem “alta ou baixa” escolaridade. Reside aí, o meu
incômodo. A escolarização é uma medida imposta pelos países ricos aos países
pobres para se “adequarem ao sistema capitalista”. Recorrer à reabertura das
escolas como argumento a favor da mitigação dos efeitos da pandemia expressa,
no mínimo, um ato de generosidade com um sistema que, com ou sem pandemia, se
justifica pela negação da vida porque se sustenta com base na conformação das
desigualdades sociais.
Ao contrário do Secretário Geral da ONU penso que não é o fechamento
das escolas que está provocando a ‘maior catástrofe do nosso século’, é a
subserviência dos governos mundiais ao sistema capitalista que impede o que
parece óbvio: escolas são importantes para o mundo que vivemos, mas as vidas
que as preenchem de sentido são imprescindíveis. Enquanto não houver condições
de igualdade no direito à vida dentro e fora das escolas, manter distância de
aglomerações que nos exponham ao contágio do coronavírus é a alternativa que
temos nos educarmos a favor da existência no presente.
Muito boa e necessária reflexão, professor Álamo, parabéns!
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