Novas invisibilidades, velhas desigualdades
A retomada das atividades letivas por meio remoto na nossa universidade
produziu novas formas de invisibilidade nas relações de
ensino-aprendizagem. Além da elevação expressiva do número das ausências nos
ambientes virtuais de aprendizagem, as presenças se tornaram mais instáveis
(conforme as condições de conectividade) e mais silenciosas no transcurso dos
encontros on line.
As novas formas de invisibilidade produzidas pela mudança radical da
modalidade de ensino no contexto da pandemia resultam da persistência de velhas
formas de desigualdade social nas condições de acesso e permanência na universidade.
A passagem do modelo presencial para o modelo virtual expõe de maneira
constrangedora o fosso das desigualdades no acesso a bens e serviços
tecnológicos.
Falta pouco para a conclusão das nossas atividades com as turmas de
graduação e pós graduação. Em todos os níveis de ensino recebemos, aqui e ali,
mensagens de estudantes com relatos de dificuldades para o acompanhamento das
atividades on line e off line que passamos a desenvolver
desde o mês de agosto (quando retomamos as atividades presenciais interrompidas
no mês de março por força da pandemia).
Na minha experiência em sala de aula neste momento, as maiores
dificuldades, tanto em número de relatos quanto nas configurações dos dramas
sociais expostos, advêm dos estudantes e das estudantes que cursam o primeiro
ano no Colégio Universitário do município de Santa Cruz Cabrália. Nas duas
últimas semanas recebi várias mensagens privadas no WathsApp que podem, ao menos hipoteticamente, conferir uma amostra
significativa da persistência de determinadas formas de desigualdades geradoras das novas invisibilidades no contexto da retomada das atividades
letivas por meio remoto.
Selecionei três mensagens cujos enunciados ecoam no conjunto geral
dos textos recebidos até agora. A primeira mensagem é de um estudante indígena
que diz o seguinte: “como eu havia te falado eu estava sem condições nenhuma
pra ter informações sobre as aulas, meu celular tinha dado problema e tinha
saído de todos os grupos, e não estou conseguindo assistir as aulas. não quero
perder no componente, tem alguma possibilidade de eu fazer algo?”. O segundo relato é assinado
por um estudante negro, jovem trabalhador que reside na periferia urbana da
cidade, ele diz o seguinte: “professor, eu não estou conseguindo participar das
aulas, estou saindo tarde do trabalho, vou ser muito prejudicado?”. A terceira
mensagem é de uma estudante mãe, que trabalha em casa com a produção de
alimentos para entrega: “estou com alguns problemas pessoais familiares, passando
por um momento muito difícil na minha vida; não tenho condições nenhuma nesse
momento de participar das aulas on line”.
As mensagens nos revelam dramas marcados por configurações já conhecidas:
precariedade nas condições materiais de acesso aos meios de ensino remoto;
restrições de acesso aos encontros letivos por conta do cumprimento de jornadas intensivas de trabalho; conflitos familiares exacerbados pelo excesso de convivência que
inviabilizam o home office. A
excepcionalidade das condições de ensino-aprendizagem no contexto da pandemia
expõe de maneira crua o conjunto de regularidades que materializam as
interdições de negros, indígenas, mulheres, pobres, outros e outras excluídas
do acesso ao conhecimento historicamente produzido pela humanidade.
Injustiças sociais produzem e promovem injustiças cognitivas, para
lembrar o pensador português Boaventura de Sousa Santos. Importante dizer ainda
que tais injustiças possuem marcadores de raça, gênero, classe sociais,
deficiência física, geração e pertencimento territorial.
O que parece se anunciar como desafio é como nós educadores e educadoras
estamos sendo interpelados a problematizar o que já sabemos e fazemos, para
lidar com o que temos diante de nós. Os enunciados questionadores das mensagens
nos interpelam: “tem possibilidade de eu fazer algo?”, “vou ser prejudicado?”,
“não tenho condições de participar”. Apressar respostas para cumprir metas
institucionais pode aprofundar a produção de injustiças.
As questões da estudante e dos estudantes aqui citados nos colocam diante
do desafio ético-político de pensarmos mais sobre o que nos impede a participação,
o que nos possibilita a ação e o que não prejudica a nossa existência nem dos
outros e outras face às novas invisibilidades produzidas pelas velhas
desigualdades do mundo em que estamos.
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