Serviçais da repressão.
O bolsonarismo criou metodologia própria para a qualificação dos
serviçais dedicados à agência da repressão do seu governo. Ataca a autonomia e
a democracia interna das universidades ao nomear reitoras e reitores não
eleitas e eleitos pela maioria das comunidades acadêmicas; ao mesmo tempo em
que expõe a subserviência de intelectuais a serviço do seu padrão repressivo.
As interventoras e interventores empossados nas instituições federais de
ensino brasileiras já ultrapassam mais de uma dúzia de corpos atuantes nos
jogos de poder que ultrapassam os cercadinhos do Planalto, e se inscrevem no
coração das universidades e institutos federais. Elas e eles estão ali
disponíveis para garantir ao atual governo o que parece lhe faltar: qualidade
intelectual onde impera a grosseria gratuita e a negação da ciência.
As performances que identificam as novas interventoras e interventores
começam expor alguns dos seus traços mais expressivos. Ao aceitarem o lugar em
que são colocadas e colocados se curvam docilmente à vontade daquele que manda.
Instaladas e instalados nos seus postos de comando, formam redes de cúmplices
com os seus mandatos (não são poucos os que os acompanham). Assumem a vontade
própria como razão de governo (e de Estado) para normalização dos atos que
regem as instituições públicas sob suas tutelas. Trabalham duro na formulação
de narrativas de autolegitimação dos seus abusos. Síntese do arranjo: subserviência, engajamento, prepotência e autolegitimação.
No mês de novembro do ano de 2019 a interventora pro tempore nomeada pelo atual governo para a Universidade Federal
da Grande Dourados (UFGD), exonerou a diretora e o vice diretor escolhidos por
ampla maioria pela comunidade da Faculdade de Educação daquela universidade. Em
seguida nomeou o seu próprio interventor para fortalecer as suas bases no
conselho universitário. Cumpriu à risca o papel para o qual foi designada:
aviltar os valores mais elevados da vida acadêmica para fazer prevalecer a sua
vontade pessoal sobre a instituição.
No último dia 25 de setembro desse ano foi criado o Observatório do
Assédio Moral nas Universidades Federais do Ceará. A instância nasceu no âmbito
da principal organização sindical dos docentes das IFES no estado para o
enfrentamento das práticas abusivas de poder emergentes dos conluios interventores
nas universidades cearenses. No ano passado movimentos fundamentalistas
religiosos forçaram a suspensão de um edital de ingresso na vida acadêmica para
pessoas transgêneras e intersexuais para o Bacharelado em Humanidades. Não
obstante a efetividade da pressão cristã, os interventores da universidade
abriram processos administrativos contra professoras e professores que
manifestaram-se contrários aos abusos praticados.
Mais recentemente, docentes da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Ceará se viram acuados com a abertura processos administrativos
diretos sem sindicância, com indicação de demissão e com indicativo de
conclusão em 60 dias. Os docentes desafiaram o mandonismo errático do Diretor
da Faculdade de Direito, aliado do Reitor-Interventor da UFC (também ex diretor
da FADIR), quando da imposição do retorno remoto às aulas daquela instituição.
Tais ocorrências são exemplares da formação intelectual das redes de
cumplicidade com a repressão operadas por uma nova classe de dirigentes
universitários com “DNA” bolsonarista. Elas e eles são figuras recentes na
história política do Brasil de hoje mas possuem os seus antepassados.
O Romance K. de Bernardo Kucinski, nos ajuda a imaginar, com alguma
precisão, como se formam essas redes de cumplicidade repressiva especializadas
na supressão dos sentidos e das presenças que desafiam os autoritarismos de
governo nas universidades públicas. O livro baseia-se no desaparecimento de uma
professora de química da USP e do seu esposo, também professor, ambos
contestadores da Ditadura Militar no Período Geisel. No capítulo intitulado A
Reunião da Congregação, participamos do evento em que por 13 votos favoráveis e
02 votos em branco fora aprovada a demissão da professora por abandono de
serviço, conforme imposição do então reitorado da época. A professora,
desaparecida pela repressão dos militares, foi aviltada em sua dignidade
laboral por aqueles com os quais compartilhou parte da sua existência no
Instituto de Química da USP.
O romance é uma obra ficção inspirada em fatos reais por meio da qual
podemos ver a universidade como uma instituição que também se especializa na
inscrição das brutalidades de governo em seus rituais internos. Pode nos servir
de mapa para antecipar os caminhos futuros dessa geração de interventores e
interventoras a serviço da repressão que se instala entre nós.
Infelizmente encontramos serviçais da repressão entre nossos colegas, gente que esteve junto a nós em outras lutas. Como na ”época da ditadura”, já não temos mais clareza em quem confiar... o poder vai penetrando nos corpos e subindo no peito de alguns. Por medo? Oportunismo? conveniência? Convicção? Ditadura Nunca Mais!!
ResponderExcluirQuerida Denise, a adesão de pessoas do nosso convívio é uma demonstração explícita da monstruosidade do nosso tempo. Beijos saudosos.
ExcluirProf. Álamo, Parabéns pela dedicação ao pensamento autônomo e as liberdades individuais e coletivas..."A escrita ou a Vida" Jorge Semprun
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