Pode a cidade educar a escola?
A escola, tal como a conhecemos, cria barreiras de retenção para regular
a distribuição do conhecimento conforme regras definidas pelos sistemas
institucionais aos quais está subordinada. A cidade, por contraste, rompe
barreiras e exige a mobilização constante de múltiplas potências
afetivo-cognitivas necessárias à circulação social no pluralismo das suas
paisagens.
As diferenças entre a instituição que se fecha nela mesma para controlar
a circulação do conhecimento; e os espaços-tempos urbanos que abrem e expõem o
movimento diversificado e variável do conhecimento que circula pelas ruas,
avenidas, quebradas e terrenos baldios ficaram mais expostas durante a
pandemia.
A permanência do conhecimento escolarizado está sob ameaça do
esquecimento, ou do confinamento doméstico, quanto mais as distâncias do home office nos situam alhures pelas
cidades, aprendendo a conviver mais e mais com as incertezas que nos cercam. As
casas, apartamentos e puxadinhos em que instalamos nossas estações móveis de
ensino-aprendizagem estão na cidade, bem distantes dos pátios e grades que
isolam as salas de aulas. Os ruídos dos lugares que habitamos orquestram nossas
vozes (para o bem e para o mal). As rachaduras das paredes de nossos lares
estão mais visíveis. Talvez estejamos sendo desafiados a pensar mais nesse
paradoxo que, sugiro, elege a cidade como movimento vivo (e não como objeto) de
inquietações, saberes e práticas que não se deixam reter entre muros e paredes.
Fui professor de filosofia no Ensino Médio de uma grande escola privada
em Porto Alegre (no final da década de 1990). Às vezes, quando a turma estava
muito inquieta, eu transferia a aula para o pátio com uma questão para
reflexão, resposta e debates. Numa dessas aulas, encontrei o estudante olhando
para o muro que separava o pátio da escola da rua. Perguntei ao garoto: “está
pensando em que?”. Ele me responde: “acho que lá fora é melhor que aqui”. “Por quê?”
– retruquei. “A gente pensa melhor quando não tem um muro pela frente” –
respondeu-me. A alegoria pedagógica se mantém muito viva em minhas memórias. Volta
sempre que penso o quanto a cidade pode educar as escolas (e talvez já o façam,
nós, que confundimos a missão de educar com escolarizar é que temos dificuldade
de ver a riqueza de saberes que nossas estudantes nossos estudantes trazem para
as salas de aula em suas bagagens de vida na e com a cidade).
Os tempos de pandemia exigem de nós novas aprendizagens sobre os modos como
fazemos a cidade (e o campo) e como somos socialmente feitos por aquilo que
fazemos com a cidade. Enquanto somos pressionados e pressionadas pelo retorno
às salas de aula, não custa perguntar: pode a cidade educar às escolas? E,
talvez, acrescentar: o que ainda não aprendemos sobre pensar a escola sem muros
pela frente?
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