A Casa de Elba

 


Antes de chegarmos a 2021 ganhamos de Elba Ramalho a melhor metáfora para pensarmos o Brasil no contexto da pandemia: uma casa arrendada cujo contrato não possui cláusulas sanitárias de preservação da saúde pública.

Os donos da casa se transferiram para o clube bacana da esquina e receberam notícias pelas redes sociais do rendezvous na propriedade. Elba está nos ajudando a redescobrir no Brasil no balancê da pandemia. Seria um luxo, não fosse a miséria dos nossos dias ao longo desse difícil ano de 2020 (que terá a duração de uma eternidade para as famílias dos mais de 195 mil brasileiros e brasileiras que se foram).

Somos a Casa de Elba na política. A direita brasileira transferiu a governança do país para um bando de tresloucados, passa as férias em Miame enquanto se diz arrependida das escolhas que fez, promete dar o troco nas eleições da Câmara dos Deputados mas não move os dedos para o impeachment. No caso de Elba, a estrela prometeu processar os locatários da sua casa, há dúvidas quanto ao despejo.

Somos a Casa de Elba na economia. Temos uma vaga ideia da falência do país no meio de um toma lá de trocados para calar a boca dos pobres (e aumentar a popularidade dos inomináveis do poder). Nos intervalos das muitas inconsistências quanto à realidade econômica: rifa-se, arrenda-se, leiloa-se e liquida-se o patrimônio da nação para o bem dos endinheirados do mundo. Não temos como saber das finanças da Elba, mas o episódio do aluguel da casa dá o que pensar quanto à verba do baião de dois da estrela.

Somos a Casa da Elba no trato com a saúde. Não é preciso fazer esforço para entender que a maioria dos presentes na festança cancela a ciência para a celebração do consumo e da ostentação. Quem esbanja dinheiro suspende a razão. Performatizam: um copo na mão, uma garrafa de whisky bem bacana na outra e o desprezo pela vida dos outros. No contexto do país estamos à mercê de um governo omisso, com o presidente de férias no litoral paulista, o ministro da saúde com a demissão anunciada e, até o momento, notícia nenhuma sobre o início da vacinação entre nós (ouve-se dizer que faltam, entre outras coisas, seringas para aplicação da dose). 

Somos a Casa de Elba na educação. Enquanto não se retoma a vida social nas escolas, escapa-se do desafio de aprender a viver com o próximo pela exacerbação do consumo, ou escapadelas para o paraíso mais próximo. Importante lembrar: para atender os que gastam para festejar a estupidez, há os que se expõem ao contágio (e à morte) por imposição das desigualdades (que nunca foram tão visíveis e insuportáveis quanto agora). No exemplo da casa da Elba pesam dois tipos sérios de alienação agravados com a pandemia: a alienação dos que gastam por distração e a alienação dos que servem por imposição das necessidades.

O Brasil de agora é como a Casa de Elba na festa de arromba do dia 29 de dezembro passado em vários quesitos, mas há (pelo menos) duas penosas exceções: o luto e a filas das UTIs. Há os que não fazem festa porque sofrem as duras perdas de familiares e amigos ou porque lutam pela sobrevivência nos corredores dos hospitais sem grandes promessas de futuro.


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