A instabilidade
Os processos
de ensino-aprendizagem instaurados no contexto da COVID-19 estão marcados pela
elevação da instabilidade das interações por meio remoto. Além das dificuldades
na sustentação da presença por parte das estudantes e dos estudantes, as
performances didáticas dos professores e professoras padecem com a alternância brusca entre apresentar programas de trabalho e gerar acesso nas
plataformas online.
A condição
estudantil se faz mediante múltiplas tentativas de estar presente conforme as
condições de conectividade, participam menos por meio do diálogo em mais por
meio um jogo de ausências e presenças com grande alternância de regras. Quando
conseguem entrar e permanecer na plataforma, quase nunca abrem suas câmeras,
quase nunca falam (a não ser que sejam provocados), interagem mais pelo chat
(um dos poucos sinais para nós, professores de que estão ali). Quando conseguem
entrar e não permanecer, oscilam sob a forma de um cai e levanta – conforme o
linguajar do momento. Há ainda os que relatam dificuldades para entrar, e entram
(sempre mais tarde), e os que não entram. Fato é que permanecer tornou-se um
desafio digital de estar ali – qualquer que seja a plataforma – sob a tensão da
queda, o risco da perda de conectividade a qualquer instante. Tornar-se
estudante nestas circunstâncias remete à uma espécie de alpinismo digital dos
mais complexos, há que se escalar abismos que se colocam entre os teclados e as
telas dos dispositivos tecnológicos que se tem à mão.
A condição
docente se vê desafiada a lidar com as profundas mudanças nos espaços-tempos de
ensinar-aprender. Enquanto espera a turma se formar nas entradas e saídas
bruscas dos primeiros minutos da aula marcada, a professora (o professor) exercita
diálogos interrompidos com quem está, no aguardo do instante de iniciar os
trabalhos como o maior número possível de presenças. A espera pelos outros
torna-se uma espécie economia política das práticas interativas. Quando consegue
iniciar os trabalhos e arrisca apresentar um powerpoint os docentes e as docentes são surpreendidos com a
urgência de atender discentes que chegam com grande atraso. Suspende a
apresentação, concede acesso e volta a apresentação. Um vai-e-vem no qual
manter o fio da meada dos trabalhos pedagógicos equivale a uma forma de “malabarismo
nos cabos de fibra ótica”. A contra face docente dos jogos de ausência e
presença dos estudantes equivale a um jogo de constância e inconstância
discursiva no desafio pedagógico de cada aula em regime de home office.
A
instabilidade que transpassa as diferentes situações dos encontros educacionais
nas plataformas digitais confronta os padrões de produtividade a que somos
todas e todos submetidos nas nossas instituições de ensino. Não acredito que os
processos de ensino-aprendizagem que estão sendo retomados no momento produzam
resultados objetivos de grande relevância. Contudo, acredito firmemente que
estamos vivendo um momento de produção de novas subjetividades educadoras, mais
sensíveis às potências transformadoras de um instante, ao mesmo tempo, mais
sensíveis à força de determinados gestos pedagógicos como: esperar os outros,
receber os outros e estar juntos no tempo que for possível.
A
instabilidade que agita os nossos contextos de ensino-aprendizagem pode ser
transformadora, para quem se dispõem a aprender em grupo a lidar com ela. Para
quem insiste no ato de ensinar como uma forma de controle dos corpos e das
relações de produção do conhecimento, não tenho dúvidas: a instabilidade é o
demônio.
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