Silêncio Cidadão

 


O dia 17 de janeiro de 2021 entrou para a história da educação brasileira como dia do silêncio cidadão. A maior abstenção já registrada na realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) indica, em números oficiais que 2.842.332 (dois milhões, oitocentos e quarenta e dois mil, trezentos e trinta e dois) jovens não se apresentaram para a realização das provas aquele dia. Não é só um número com sete dígitos, é expressão de um dos mais significativos protestos silenciosos do nosso tempo.

O Ministro da Educação qualificou o acontecimento como um sucesso (festejando a presença dos que compareceram às provas). A perspectiva daquele que também é a maior autoridade no assunto faz sentido do ponto de vista das ações e omissões do governo a que serve. Governo diletante do negacionismo da ciência porque fraco na capacidade pensante e intolerante a qualquer expressão de pensamento crítico. Governo militante da obediência cega à Bíblia, ou à bala. Governo inoperante em qualquer setor da vida pública. Governo genocida de raiz. Situar a afirmação do “sucesso” dos que foram às provas no contexto do governo em que está faz do atual ministro um gênio da diplomacia.

Admitamos: é a primeira vez que um Ministro da Educação do atual governo não ofende os brasileiros, não ataca as escolas e universidades, não mente e não omite as suas “qualidades” intelectuais para “professar” um enunciado compatível com a viscosidade verborrágica dos seus superiores.

A resposta dos que não foram às provas e também dos que foram superou a capacidade discursiva dos representantes do MEC. Os que não foram à prova colocaram o silêncio a serviço do cuidado de si e dos outros com quem vivem, protestaram contra a imposição genocida ao lado daqueles e daquelas com quem estão aprendendo a enfrentar a pandemia. Os que foram às provas colocaram o silêncio a serviço do enfrentamento da imposição genocida (e antipedagógica para o momento em que estamos) da aglomeração patrocinada com dinheiro público pelo MEC. Estavam ali, cada uma e cada um lutando pelo direito cidadão à continuidade nos estudos. As jovens e os jovens brasileiros que se submetem à disputa por uma vaga na universidade não tem dúvidas da estreita relação entre avançar nos estudos e avançar na vida.

Prefiro entender a totalidade dos 5.523.029 (cinco milhões, quinhentos e vinte e três mil e vinte e nove) inscritos no ENEM como fluxo e contrafluxo de um protesto diferente na forma mas semelhante no conteúdo: cidadania silenciosa. A maior abstenção histórica do ENEM é indissociável do maior enfrentamento público pelo direito ao acesso à universidade.

No país vencido pela conveniência dos gananciosos, exposto à imprudência dos autoritários e governado por imbecis; toda forma de enfrentamento da morte é um ato cidadão grandioso. A geração de egressos do Ensino Médio de 2020 está nos ensinando em silêncio. Conseguiremos aprender?


Comentários

  1. Análise precisa. Um (re)corte feito com bisturi. Como disse uma entrevistada que não compareceu a prova do Enem, “só poderei cursar a universidade se estiver viva”.

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