Escolas de Solidariedade
Escolas
públicas municipais e estaduais, da cidade, do campo, indígenas e quilombolas
constituem importantes meios de reconstrução social das condições de vida no
contexto presente do estado da Bahia. Sobretudo nos territórios de identidade
das Regiões Sul e do Extremo Sul, severamente afetados pelas tempestades que
devastam nossas comunidades desde o final do mês de novembro.
As escolas
abriram suas portas para abrigar pessoas que perderam suas casas e a maior
parte dos seus bens. Coletivos se formaram para a produção de alimentos, arrecadação
e distribuição de donativos e acompanhamento psicossocial das milhares de
famílias que enfrentam, a um só tempo: o luto das suas perdas, as
vulnerabilidades sanitárias causadas pela persistência da COVID-19 e pelo
avanço da Influenza (Gripe H3N2) e a manutenção da vida no meio de tantas
tragédias.
Práticas
intensivas de solidariedade tecem e fortalecem redes que passam por dentro das escolas
públicas, transformando seus estatutos pedagógicos e suas políticas de
pertencimento às comunidades em que estão instaladas. Além de garantir teto,
para quem perdeu quase tudo, as escolas habitadas no meio das tempestades
geraram condições outras de ensino-aprendizagem durante as tragédias.
Vejamos alguns exemplos. Segundo notícia
veiculada pela página da Secretaria da Educação do Estado da Bahia, o Colégio
Modelo de Itabuna forneceu abrigo para 230 famílias, no período mais dramático
das chuvas no município, as famílias passaram a receber (e produzir) alimentos
na escola. Um grupo de estudantes universitários da região compôs atividades de
acompanhamento psicossocial e recreativo com aproximadamente 69 crianças
abrigadas na escola. Ainda segundo as notícias veiculadas pela página da SEC-
Ba, o Colégio Estadual Dulce Almeida, no município de Itagibá (Ba), reuniu sua
equipe de funcionários e merendeiras para produzir e distribuir alimentos para
as famílias atingidas pelas cheias no município vizinho de Dário Meira (Ba).
No entorno dos
municípios de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália mais dois grandes exemplos. As
chuvas do início do mês de dezembro causaram o desmoronamento de 34 casas no
distrito de São João do Sul, no município de Guaratinga, as escolas e creches do
campo serviram de abrigo para as 88 famílias que perderam suas casas e,
praticamente todos os seus bens.
No Colégio
Indígena de Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, desde o dia 10 de dezembro
formou-se uma Rede da Juventude Indígena que tem atuado intensivamente no
atendimento das populações indígenas Pataxó e Tupinambá (sobretudo do município
vizinho de Itapebi). Segundo o jovem educador Niotxarú Pataxó (também conhecido
como Jeferson Pataxó), a Rede da qual faz parte tem arrecadado cestas básicas,
kits de higiene, colchões, cobertores, roupas e material de construção civil
para auxiliar o processo de reconstrução das condições de vidas em mais de 10
aldeias da região. Uma sala de aula do Colégio Indígena foi reservada para
receber os donativos. Em meio ao mobiliário e aos murais que servem de apoios
para as aulas de Patxorã e Cultura Pataxó, jovens indígenas se organizam nas
tarefas de recepção, distribuição e apoio aos parentes vitimados pelas cheias.
As formas de
solidariedade praticadas no interior das escolas carregam marcas de classe,
raça, etnia e gênero. Reúnem trabalhadoras e trabalhadores negros, negras,
indígenas e não indígenas, pobres que ao longo deste período compõem um dos
movimentos mais inspiradores do nosso trágico final de ano. Mestre Joelson
Ferreira (Teia dos Povos) definiu com muita precisão o que tem ocorrido nas
nossas escolas públicas: é a solidariedade do pobre com o pobre, pessoas movidas
pelas ancestralidades dos nossos povos originários.
As escolas, antes esvaziadas pelos cuidados
sanitários necessários ao controle da expansão da COVID-19, agora garantem
condições espaço-temporais para a produção de vínculos e atuações copresenciais
de reconstrução de sentidos para a vida das famílias, grupos sociais e
comunidades severamente atingidos pelas chuvas do nosso trágico final de 2021. A
solidariedade que passa por dentro das nossas escolas desde o advento das
tempestades está prenhe de lições para enfrentarmos o que vem por aí.
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