Da disseminação do ódio à naturalização da maldade.

 


“Em um país distante existiu faz muitos anos uma Ovelha negra. Foi fuzilada. Um século depois, o rebanho arrependido lhe levantou uma estátua equestre que ficou muito bem no parque. Assim, sucessivamente, cada vez que apareciam ovelhas negras eram rapidamente passadas pelas armas para que as futuras gerações de Ovelhas comuns e vulgares pudessem se exercitar também na escultura”. (Augusto Monterroso)

               

O bolsonarismo, força ideológica emergente do ciclo mais recente das disputas políticas brasileiras, também se constitui como uma das mais potentes maquinarias de conversão de afetos. Destrói e extermina pessoas e instituições públicas. Acelera a produção do ódio assim como a naturalização da maldade.

                Ao longo dos últimos quatro anos temos assistido às mais assustadoras séries – quase ininterruptas – da destruição de pessoas, processos e bens públicos combinada com um desconcertante conservadorismo festivo. Os atos de contestação tem sido cada vez mais apagados pela atuação celebratória das performances do autoritarismo social (para lembrar Marilena Chauí) que sustentam o bolsonarismo desde o contexto eleitoral de 2018.

                A sequência de ataques brutais às instituições e pessoas pelos Ministros da Educação que passaram até aqui expressam, com alguma nitidez, os traços mais fortes dos modos bolsonaristas de destruição das instituições e pessoas públicas.

                O primeiro ministro, Ricardo Vélez Rodrigues, fez circular em papel timbrado oficial o lema nacionalista-teológico, “O Brasil acima de tudo, Deus Acima de Todos”, logo nos primeiros dias da sua gestão. Colocou a ideologia do seu grupo político acima da Constituição Brasileira. Cometeu um crime, foi perdoado, saiu de cena por falta de competência e cedeu a cadeira a um falastrão especializado em depreciar publicamente as universidades públicas brasileiras.

O sucessor de Veléz “apedrejou” verbalmente pessoas e instituições. Deu prosseguimento a um dos mais terríveis ataques às universidades públicas. Saiu às pressas do cargo depois que ofendeu os Ministros do Supremo Tribunal Federal.

                O terceiro ministro, ou quase-ministro, Carlos Alberto Decotelli, mentiu. Colocou no currículo Lattes uma informação falsa quanto ao seu título de Doutor. Ele não concluíra o seu doutorado na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, ainda assim registrou informação. Entrou e saiu do MEC por efeito inverso da razão cínica que o fez ambicionar a visibilidade social do cargo. Entrou para a história como exemplo antipedagógico de pessoa pública indigna do cargo que cobiçou.

                O quatro ministro, Milton Ribeiro, pastor e ex Reitor da Universidade Mackenzie, ocupou o cargo de 16 de julho de 2020 a 28 de março de 2022. Ao longo da sua gestão fez declarações racistas, homofóbicas, disseminou preconceitos classistas e de cunho machista. Comandou o desmanche do INEP e da CAPES. Durante a pandemia (que ainda persiste entre nós), agiu como Pilatos no trato com estados e municípios quanto à sustentação das políticas públicas de fortalecimento da Educação Básica. No mês de março do ano em que estamos foi flagrado no comando de uma rede de tráfico de influência e corrupção com pastores-atravessadores que barganhavam no varejo a liberação de verbas públicas para fins “inconfessáveis”.

                No dia 25 de abril deste ano, enquanto manuseava sua arma pessoal dentro do aeroporto de Brasília, o já ex- ministro fez o revólver disparar acidentalmente. A falha no trato com a arma revelou mais uma das suas facetas como partidário do bolsonarismo. O ex ministro amante das armas entrou para a história também como uma “bala perdida”. Perdeu o rumo, errou feio como ministro, pecou gravemente como pastor.

                O atual ministro, Victor Godoy Veiga, ainda interino no cargo, chegou ao MEC   pelas mãos do ministro pastor e, até o momento, dá sinais de discrição ao tempo em que sustenta o estado de inoperância governamental no trato com as políticas públicas de educação. Aparenta praticar o bolsonarismo sem fazer alarde. 

                A sequência de ministros manteve ao longo dos últimos anos ataques criminosos à educação pública, laica e socialmente referenciada. Não faltou munição contra o pensamento crítico em especial à figura de Paulo Freire. Os ex gestores do MEC atuaram como exterminadores de Ovelhas negras da educação com direito a torcida verde-amarela.  Por outro lado, os crimes cometidos provocaram protestos que ainda não demonstraram força contra o bolsonarismo que dissemina o ódio contra a democracia e as instituições públicas e naturaliza a maldade a favor do autoritarismo social.  

                O entra e sai de ministro não fez qualquer diferença quanto ao trato político da agenda educacional brasileira do atual governo. A opção pela “pauta dos costumes” piorou o que já não era nada bom desde o golpe contra a democracia. Isto nos faz entender que o projeto de desmonte do Estado brasileiro sob o signo do Ódio e a forte ascendência da naturalização da maldade cumpre missões que superam o presidente “mito”. Sabe-se lá até quando o bolsonarismo se sustentará como sinônimo de conservadorismo “tresvariado”. O que nos interpela no momento é que as eleições deste ano não se resumem à alternância do poder, mas, também a um enorme investimento na desconstrução da maquinaria de conversão ideológica que caracteriza a extrema direita de hoje.

                Nas eleições deste ano não basta derrotar Bolsonaro, temos que vencer o bolsonarismo que coloniza os nossas afecções cotidianas.

   

                 

               

 


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