Virada Histórica

 

Foto de Júlio Cézar Chaves

Estamos às vésperas da maior “virada de página” da história recente do nosso País.   Estamos livres do atraso personificado na figura medonha do genocida que fugiu para Miami. Entramos no modo de participação, em casa assim como em Brasília, da instalação de um governo que nos devolve a imagem renovada do pluralismo cheio de cores da nossa democracia.

As imagens e narrativas esperadas de amanhã inspiram a imaginação de um país em que a diversidade e a diferença alimentam o desejo de participação na vida pública.  Saem de cena as performances mórbidas entre o cercadinho do Planalto e o monocromático cenário do home office presidenciais. Sobem a rampa do Planalto, juntamente com o presidente e vice presidente eleitos, os milhões de brasileiros que participam do maior esforço coletivo que se tem notícia na história recente do Brasil na retomada da democracia.       

                Lula, Alckmin e o ministério escalado neste início de governo nos conduzem ao dia de amanhã à melhor paisagem para a imaginação do futuro próximo da nossa democracia. Assistiremos aos primeiros passos de um dos mais notáveis corpo político da história do Brasil do século XXI. As pessoas escolhidas para a composição do governo que começa amanhã reinscrevem marcas de gênero, raça, pertencimento territorial, classe social e pluralismo partidário no trato com a vida pública. Quero acreditar que todo o esforço coletivo do processo de transição resulta em relevante investimento na democratização da democracia (para usar em expressão de Boaventura de Sousa Santos). Vejo, por antecipação, no retrato do dia de amanhã, a vida pública carregada de cores e alegrias.

                Há seis anos parei de imaginar o Brasil em cores e sorrisos. Hoje, apesar da pandemia que ainda persiste entre nós; apesar do aumento da fome e das narrativas de desmonte do Estado brasileiro; apesar do flagelo educacional que assola o país de “dentro a dentro”; apesar da violência legitimada por políticas genocidas e abusos policiais, acordei com a visão de um país que reaprende a sorrir com a chegada de outro dia.

                Lembro-me, ainda com muita amargura, da raiva que fez arder meu corpo cívico nas viradas de ano após o golpe contra a democracia (2016-2018). Na passagem de 2018 para 2019 a raiva cedeu espaço para o medo. Procurei formas de me apagar para sobreviver à ascensão do extremismo que chegava ao poder.  Nos anos seguintes o medo virou desprezo.

Hoje acordei com o sentimento de dívida com minha alma de brasileiro. Devo-me a alegria fecunda de reencontrar um lugar para a minha presença ao lado de brasileiras e brasileiros que trabalharam pelo acontecimento histórico que começa agora. Entre as memórias mais significativas que marcam esse início do fim do ano de 2022 revivi um dos mais potentes momentos do meu encontro face a face com a alegria cívica. Era o ano de 2011, Lula, então ex presidente do Brasil, recebia o Honoris Causa da Universidade de Coimbra, eu acabara de chegar ali para iniciar uma longa e frutífera jornada de pós doutoramento. Todos nós, brasileiros e brasileiras que seguíamos àquele cortejo, crescíamos junto com Lula e sua comitiva pelos corredores da velha universidade portuguesa. Fazíamos parte de um mesmo corpo. Partilhávamos as mesmas pulsões de vida.

    Amanhã, para mim, vai ser um dia como aquele. Um dia em que a vida pública brasileira reaparece outra. Estaremos reunidos inclusive naquilo que nos diferencia. Quero crer que estamos a poucos minutos de uma virada histórica. Uma virada da diversidade. 

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