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Pedagogias do estranhamento

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  Passamos por um dos piores momentos da pandemia do coronavírus no Brasil e no mundo. Além do aumento expressivo de casos, da evidente omissão do governo brasileiro (com o agravante discurso negacionista do Presidente da República), assistimos a ultrapassagem dos 240 mil mortos sob efeito de uma aparente “naturalização” do estado de calamidade sanitária em que nos encontramos.   Não compreendo a naturalização como o oposto do estranhamento, compreendo-a  como uma das forças emergentes de situações radicalmente diferentes daquelas que estamos habituadas e habituados a enfrentar no cotidiano. O outro processo derivado do estranhamento é a compreensão do inacabado, do social em se fazendo às margens das incertezas. Tanto um quanto outro processos são construídos socialmente. Com isso quero afirmar que o estranhamento é uma potência geradora de forças de naturalização ou de inquietação no trato social com as situações que tomamos por outras nas nossas experiências de convívio cotidiano. O

Sociabilidades interrompidas

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  Estamos concluindo as atividades letivas com os primeiros grupos de estudantes que ingressaram na universidade durante a pandemia. As formações das turmas de ingresso enfrentam limites impostos pelo trabalho remoto, um deles, específico da geração que ainda não pisou no chão da universidade, tem sido a produção de vínculos sociais, presencialmente, com colegas e professores. O momento nos impõe formas de convivência transpassadas por inúmeras interdições. A vida social na sala de aula offline extrapola as relações pedagógicas restritas aos processos de ensino-aprendizagem em muitos aspectos. Tornar-se parte de uma turma tem os seus rituais próprios, muitos deles exigem a proximidade física no espaço e no tempo, para a criação e aprofundamento dos laços de pertencimento com a turma e com universidade como um todo. As novas invisibilidades produzidas pelo trabalho online , associadas com a instabilidade das presenças, resultam na interrupção de processos interativos fundamentais para

Religião e Fake News

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  Uma amiga alemã revelou-me que a mãe resiste à vacina contra a covid-19 por motivos religiosos. O padre da sua paróquia, na região da Bavária, recomendara aos fiéis a renúncia ao medicamento para não fortalecerem a vida no pecado. Quis saber mais sobre aquele intrigante drama cristão (católico apostólico romano). A amiga resumira o sermão que a mãe ouvira na missa online . Durante a liturgia daquele dia o padre descrevera a vacina que circula no interior da Alemanha, como um composto à base de placenta originária de processos abortivos. Narrava o ocorrido com a perplexidade da primeira vez que ouvira o “absurdo” dos fatos. Enquanto ouvia o relato, lembrava-me de uma breve passagem da Miséria da Filosofia, de Karl Marx (o texto original fora escrito entre 1846-1847). A certa altura da obra, o pensador alemão nos indica que a diferença entre o cristão e o filósofo é que o primeiro conhece apenas uma forma de racionalidade, o outro é obrigado a conhecer o maior número de racionalida

Silêncio Cidadão

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  O dia 17 de janeiro de 2021 entrou para a história da educação brasileira como dia do silêncio cidadão. A maior abstenção já registrada na realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) indica, em números oficiais que 2.842.332 (dois milhões, oitocentos e quarenta e dois mil, trezentos e trinta e dois) jovens não se apresentaram para a realização das provas aquele dia. Não é só um número com sete dígitos, é expressão de um dos mais significativos protestos silenciosos do nosso tempo. O Ministro da Educação qualificou o acontecimento como um sucesso (festejando a presença dos que compareceram às provas). A perspectiva daquele que também é a maior autoridade no assunto faz sentido do ponto de vista das ações e omissões do governo a que serve. Governo diletante do negacionismo da ciência porque fraco na capacidade pensante e intolerante a qualquer expressão de pensamento crítico. Governo militante da obediência cega à Bíblia, ou à bala. Governo inoperante em qualquer setor da vid

A Casa de Elba

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  Antes de chegarmos a 2021 ganhamos de Elba Ramalho a melhor metáfora para pensarmos o Brasil no contexto da pandemia: uma casa arrendada cujo contrato não possui cláusulas sanitárias de preservação da saúde pública. Os donos da casa se transferiram para o clube bacana da esquina e receberam notícias pelas redes sociais do rendezvous na propriedade. Elba está nos ajudando a redescobrir no Brasil no balancê da pandemia. Seria um luxo, não fosse a miséria dos nossos dias ao longo desse difícil ano de 2020 (que terá a duração de uma eternidade para as famílias dos mais de 195 mil brasileiros e brasileiras que se foram). Somos a Casa de Elba na política. A direita brasileira transferiu a governança do país para um bando de tresloucados, passa as férias em Miame enquanto se diz arrependida das escolhas que fez, promete dar o troco nas eleições da Câmara dos Deputados mas não move os dedos para o impeachment . No caso de Elba, a estrela prometeu processar os locatários da sua casa, há

A instabilidade

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  Os processos de ensino-aprendizagem instaurados no contexto da COVID-19 estão marcados pela elevação da instabilidade das interações por meio remoto. Além das dificuldades na sustentação da presença por parte das estudantes e dos estudantes, as performances didáticas dos professores e professoras padecem com a alternância brusca entre apresentar programas de trabalho e gerar acesso nas plataformas online . A condição estudantil se faz mediante múltiplas tentativas de estar presente conforme as condições de conectividade, participam menos por meio do diálogo em mais por meio um jogo de ausências e presenças com grande alternância de regras. Quando conseguem entrar e permanecer na plataforma, quase nunca abrem suas câmeras, quase nunca falam (a não ser que sejam provocados), interagem mais pelo chat (um dos poucos sinais para nós, professores de que estão ali). Quando conseguem entrar e não permanecer, oscilam sob a forma de um cai e levanta – conforme o linguajar do momento. Há aind

Pode a cidade educar a escola?

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  A escola, tal como a conhecemos, cria barreiras de retenção para regular a distribuição do conhecimento conforme regras definidas pelos sistemas institucionais aos quais está subordinada. A cidade, por contraste, rompe barreiras e exige a mobilização constante de múltiplas potências afetivo-cognitivas necessárias à circulação social no pluralismo das suas paisagens. As diferenças entre a instituição que se fecha nela mesma para controlar a circulação do conhecimento; e os espaços-tempos urbanos que abrem e expõem o movimento diversificado e variável do conhecimento que circula pelas ruas, avenidas, quebradas e terrenos baldios ficaram mais expostas durante a pandemia. A permanência do conhecimento escolarizado está sob ameaça do esquecimento, ou do confinamento doméstico, quanto mais as distâncias do home office nos situam alhures pelas cidades, aprendendo a conviver mais e mais com as incertezas que nos cercam. As casas, apartamentos e puxadinhos em que instalamos nossas estaçõ